
«Nada acontece, quer dizer, nada se  inscreve – na história ou na existência individual, na vida social ou no plano  artístico.
(…) Se, num certo sentido, se disse  até há pouco (hoje diz-se menos) que “nada mudou” apesar das liberdades  conquistadas, é porque muito se herdou e se mantém das antigas inércias e  mentalidades da época da ditadura: desde o medo, que sobrevive com outras  formas, à “irresponsabilidade” que predomina ainda nos comportamentos dos  portugueses.
(…) Como é isto possível? É possível  porque as consciências vivem no nevoeiro.
(…) Refiro-me ao medo, à  passividade, à aceitação sem revolta do que o poder propõe ao povo. Como se, tal  como antigamente, a força de indignação, a reacção ao que tantas vezes aparece  como intolerável, escandaloso, infame na sociedade portuguesa (tolerado, aceite,  querido talvez pela maneira como as leis e as regras democráticas se concretizam  na sociedade, quer dizer no húmus das relações humanas), se voltasse para dentro  num queixume infindável quanto à “república das bananas” ou “a trampa” que  decididamente constituiria a essência eterna de Portugal, em vez de se  exteriorizar em acção.
(…) Numa palavra, o Portugal  democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a  crítica. Vivemos numa sociedade sem espírito crítico – que só nasce quando o  interesse da comunidade prevalece sobre o dos grupos e das pessoas  privadas.
(…) O medo herda-se. Porque  interiorizado, mais inconsciente do que consciente, acaba por fazer parte do  “carácter dos portugueses”.
(…) O medo é uma estratégia para  nada inscrever. Constitui-se antes de mais como medo de inscrever, quer dizer, de existir,  de afrontar as forças do mundo desencadeando as suas próprias forças da vida.  Medo de agir, de tomar decisões diferentes da norma vigente, medo de amar, de  criar, de viver. Medo de arriscar.
(…) Ninguém se julga capaz, toda a gente se sente inferior à norma ideal de competência. O que não deixa de ser, em inúmeros casos, real, mas que contribui também para que a incompetência aumente por falta de audácia, de coragem, de capacidade de se reconhecer o que se é. (…) A maioria dos esforços vão no sentido de se manter essa mascara, em vez de investir no desenvolvimento da inovação.»
Portugal, Hoje: o Medo de Existir
Gil, Jose
21º volume da colecção: Argumentos
Editor: Relogio d'Agua
Nº Edição: 5
Ano de edição: 2005
Local de edição: Lisboa
Número de páginas: 142
ISBN: 972-708-817-1
1 comment:
Começo a achar q sim, q é uma herança... e como herança é bem pesada p este povo e este país q por medo e por esta herança genetica se acomoda e inferioza e vive encolhido e acomodado...
PS: Caro amigo, espero ler por aqui muito mais do teu espirito perpiscaz e mordaz ehehe muito acutilante... basta transpor alguns dos comentarios q li ao longo dos tempos sobre variadissimos temas q vinham por mail ;o)
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